quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O Fogo, Prometeu, Pandora, Epimeteu




O culto do fogo, entre todos os povos da antiguidade, seguiu imediatamente ao que se tributou ao Sol e a Júpiter, isto é, ao astro cujos raios benéficos aquecem e iluminam o mundo, e ao raio que rasga a nuvem, açoita a Terra, consome a natureza viva e espalha ao longe a consternação e o terror. Evidentemente, os primeiros homens, cujos olhares se dirigiam com medo e admiração para os fogos celestes, não tardaram também em reparar com espanto nos fogos da Terra. Seria possível que deixassem de admirar a chama dos vulcões, as fosforescências, os gases luminosos, os fogos-fátuos dos pântanos, a incandescência produzida pelo atrito rápido de dois pedaços de madeira, a fagulha que surge do choque de duas pedras? Entretanto, o fogo não lhes parecia ter sido feito para o seu uso; era um elemento do qual a divindade possuía o segredo, e que ela se reservava como um privilégio precioso. Como captar esses focos de calor e de luz, colocados a uma tal altura, sobre as suas cabeças, ou tão misteriosamente soterrados aos seus pés? Aquele que primeiro conseguisse o fogo não podia ser a seus olhos um simples mortal, mas um titã, um êmulo atrevido e feliz da divindade, ou por assim dizer, um verdadeiro deus. Tal foi Prometeu. Filho de Jápeto e da oceânida Clímene, ou segundo outro, da nereida Ásia, ou ainda de Têmis (Justiça), irmã mais velha de Saturno. Prometeu (cujo nome em grego quer diz “previdente” ) não foi só um deus industrioso mas também criador. Notou ele que entre as criaturas vivas nenhuma havia capaz de descobrir, de estudar, de utilizar as forças da Natureza, de comandar os outros seres, de estabelecer entre eles, a ordem e a harmonia, de se comunicar com os deuses pelo pensamento, de compreender, pela sua inteligência, não somente o mundo visível, mas ainda os princípios e a essência de todas as coisas: e do limo da terra, formou o homem. Minerva, admirando a beleza da sua obra, ofereceu a Prometeu tudo quanto pudesse contribuir para a sua perfeição. Com conhecimento, Prometeu aceitou a oferta da deusa, mas acrescentou que, para escolher o que criara, era preciso que ele próprio visse as regiões celestes. Minerva arrebatou-o ao Céu, donde ele só desceu depois de haver roubado aos deuses, o fogo, elemento indispensável à industria humana. Diz-se que esse fogo divino que Prometeu trouxe para a Terra era do carro do Sol, e que ele o escondeu na haste de uma férula, que era um bastão oco. Irritado com tão audacioso atentado, Júpiter ordenou a Vulcano que forjasse uma mulher dotada de todas as perfeições, e que a apresentasse à assembléia dos deuses. Minerva revestiu-a com uma túnica de ofuscante brancura e lhe cobriu a cabeça com um véu e com grinaldas de flores, sobre as quais colocou uma coroa de ouro. Quando estava acabada, Vulcano levou-a ao Olimpo com as suas próprias mãos. Todos os deuses admiraram essa nova criatura, e cada um quis fazer-lhe o seu presente. Minerva ensinou-lhe as artes que convém a seu sexo, entre as outras, a de fiar. Vênus espalhou em torno dela o encanto como desejo inquieto e os cuidados fatigantes. As Graças e a deusa Persuasão ornaram a sua garganta com colares de ouro. Mercúrio deu-lhe a palavra com a arte de persuadir os corações com falas insinuantes. Tendo, enfim, os deuses feito cada qual os seus presentes deram-lhe o nome de Pandora (do grego pan, “tudo”, e doron, “don”.) Quando Júpiter, deu-lhe uma caixa hermeticamente fechada, dizendo-lhe que a levasse a Prometeu. Este desconfiado de alguma armadilha, não quis receber nem Pandora nem o cofre, e recomendou a seu irmão Epimeteu que nada recebesse da parte de Júpiter. Mas Epimeteu (cujo nome em grego significa “o que reflete demasiadamente tarde”) só julgava as coisas depois dos acontecimentos. Ao ver Pandora, esqueceu todas as recomendações fraternas, e tomou-a por esposa. A caixa fatal foi aberta e escaparam-se todos os males e todos os crimes que desde então estão espalhados pelo Universo. Epimeteu quis fechá-la, mas não havia mais tempo. Só conseguiu reter a esperança, que estava quase a desaparecer, e que permaneceu no cofre escrupulosamente fechado.
Júpiter, enfim, furioso Prometeu não tivera sido logrado com esse artifício, ordenou a Mercurio que o conduzisse ao Monte Cáucaso e que o amarrasse a um rochedo, onde uma águia, filha de Tífon e de Equidna, devia devorar-lhe eternamente o fígado. Dizem outros que esse suplicio só devia durar trinta mil anos.
Segundo Hesíodo, Júpiter não se serviu da ajuda de Mercúrio; mas amarrou, ele mesmo, sua desgraçada vítima, não a um rochedo mas a uma coluna. Fê-lo entretanto libertar por Hércules, pelos seguintes motivos e condições: depois da sua punição, tendo Prometeu pelos seus avisos impedido a Júpiter de galantear a Tétis, porque a criança que dessa união nascesse havia de destroná-lo um dia , o pai dos deuses, por gratidão, consentiu que Hércules o fosse soltar. Mas, para não violar o seu juramento de que nunca o libertaria, ordenou que Prometeu havia de usar sempre no dedo um anel de ferro com um fragmento de rocha do Cáucaso engastada, para que de qualquer modo fosse verdade que estivesse para sempre preso a essa montanha.
Em Ésquilo, é Vulcano quem, na qualidade de ferreiro dos deuses, encadeou Prometeu no Cáucaso, mas foi gemendo que obedecia a ordem de Júpiter, pois muito lhe custava usar de violência para com um deus da sua raça.
Entre os atenienses, a fábula de Prometeu era popular; divertiam-se em contar mesmo às crianças as engenhosas malícias por esse deus feitas a Júpiter. "Pois não tivera ele, com efeito, a idéia de experimentar a sagacidade do senhor do Olimpo, e de verificar se na verdade ele merecia as honras divinas?" Assim se conta que, em um sacrifício, Prometeu fez matar dois bois, e encheu uma das duas peles com a carne e a outra com os ossos dessas vítimas. Júpiter foi enganado e escolheu a segunda pele, o que fez tornar-se ainda mais impiedoso na sua vingança.
Em Atenas, Prometeu tinha os seus altares na Academia, ao lado dos que eram consagrados às Musas, às Graças, ao Amor, a Hercules e outros. Não se podia esquecer também que Minerva, protetora da cidade, fora a única das divindades do Olimpo que admirara o gênio de Prometeu e o ajudara na sua obra. Na festa solene das Lâmpadas _ Lampadodromias – os atenienses associavam nas mesmas honras Prometeu, que furtara o fogo celeste, Vulcano, senhor engenhoso dos fogos da Terra, e Minerva, que dera o azeite de oliveira. Por ocasião dessa festa, os monumentos públicos, as ruas, as encruzilhadas eram iluminadas: instituíam-se jogos e corridas com fachos como nas festas de Ceres. A mocidade ateniense reunia-se à tarde perto do altar de Prometeu, ao clarão do fogo que ainda ardia: a um sinal dado, acendia-se uma lâmpada que os pretendentes ao prêmio da corrida deviam levar, sem apagá-la, correndo a toda velocidade, de um a outro extremo do Ceramico.
Sendo o fogo considerado como um elemento divino, é natural que tivesse um lugar em todos os cultos e em quase todos os altares. Um fogo sagrado ardia nos templos de Apolo, em Atenas e em Delfos, no de Ceres, em Mantineia, de Minerva e mesmo de Júpiter. Nos pritaneus de todas as cidades gregas, alimentavam-se lâmpadas que nunca deviam extinguir-se.
Imitando os gregos, os romanos adotaram o culto do fogo, que confiaram aos cuidados das vestais. Nos dias de núpcias, em Roma, tinha lugar uma cerimônia curiosa e simbólica: ordenava-se à recém-casada que tocasse no fogo e na água. “Por que,” – observa Plutarco. É porque entre os elementos de que se compõem todos os corpos naturais, um deles, o fogo, é masculino, e a água é feminino, visto que um é o principio de movimento, e outro a propriedade de substancia e de matéria? Ou será porque o fogo purifica e a água limpa, e que é preciso que a mulher permaneça pura e sem mácula durante toda a sua vida?”