sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A Roda III


De modo ainda muito mais claro, a roda se revela como um símbolo do mundo; o cubo constitui o centro imóvel, o principio, e a camba, a manifestação que emana dele por um efeito de irradiação. Os raios indicam a relação da circunferência com o centro. A roda mais simples tem quatro raios: é a expansão segundo as quatro direções do espaço, mas também o ritmo quaternário da Lua e das estações. A roda de seis raios reconduz ao simbolismo solar; evoca igualmente o monograma de Cristo e pode ser considerada como a projeção horizontal da cruz de seis braços. A roda mais freqüente tem sempre oito raios: são as oito direções do espaço evocadas pelas oito pétalas do lótus, com o qual a roda se identifica. As oito pétalas ou oito raios simbolizam também a regeneração, a renovação. Esta roda é encontrada do mundo céltico até a Índia, passando pela Caldéia. É ainda a disposição dos oito trigramas chineses. Se a roda da existência budista tem seis raios, é apenas porque existem seis classes de seres, seis LOKA; se a roda do Dharma tem oito raios, é porque o Caminho comporta oito veredas.


A significação cósmica da roda está expressa nos textos védicos. Sua rotação permanente é renovação. Dela nasceram o espaço e todas as divisões do tempo. Só o centro da roda cósmica é imóvel: é o vazio do cubo que a faz girar, o umbigo. Nesse centro se mantém o Chakravarti, aquele que faz girar a roda. É o Buda, o Homem universal, o Soberano. Os antigos reis de Java e de Angkor eram expressamente qualificados como Chakravarti. Este cubo vazio é o ponto de aplicação da atividade celeste. O monarca em que ai permanece é, na transformação universal, o único a não ser transformado, diz Tchuang-tse. Outro aspecto do simbolismo chinês: o cubo é o Céu, enquanto que a circunferência constitui a Terra, e o raio, o homem, mediador entre eles. A roda da noria dos chineses, ou a roda do oleiro de Tchuang-tse, ou o ciclo da criação da Epístula de São Tiago exprimem igualmente o redemoinho incessante da manifestação, e a libertação desse movimento só pode ser obtida pela passagem da circunferência ao centro, o que se entende como retorno ao centro do ser.
A roda que o Buda coloca em movimento é a Roda da Lei, o Dharmachakra. Essa lei é a do destino humano. Por isso não existe nenhum poder que seja capaz de inverter o sentido de rotação da roda. Guénon a relaciona muito judiciosamente à Roda da Fortuna ocidental. A Índia e o budismo usam ainda outros símbolos: o sábio que atinge a Libertação é, diz o Samkhya, um oleiro que terminou seu pote; mas ele continua a viver, assim como a roda continua a girar pela velocidade adquirida. A duração da vida nos ensina o Visuddhimagga, é a de um pensamento: assim como a roda que só toca o solo num único ponto. É preciso não esquecer a Roda da Existência do budismo tibetano que, fundada mais uma vez sobre a noção das mutações incessantes, representa a sucessão dos estados múltiplos do ser.


O nome meramente convencional de Roda da Lei, e também os de roda do moinho ou de noria, são dados, na alquimia interna dos taoistas, ao movimento regressivo da essência e do sopro, que deve fazer com que estes se unam no cadinho: é, expresso de forma emblemática, um retorno da periferia, da circunferência, ao centro.