terça-feira, 25 de agosto de 2009

CUPIDO parte II



O saber nos indica o caminho a percorrer, eis então a II parte de Cupido.


Vênus tendo-se queixado a Têmis de que seu filho Eros sempre permanecia como criança, a deusa consultada respondeu que ele não cresceria enquanto ela não tivesse outro filho. Vênus então lhe deu como irmão Ânteros, com quem ele começou acrescer. Isso significaria que o amor, para crescer, tem necessidade de ser correspondido. Representava-se Ânteros, como seu irmão, sob o aspecto de um menino pequeno, com asa, aljava, flechas e um cinturão.

O nome Cupido, em latim, sugere a idéia de amor violento, de desejo amoroso, em grego Ímeros; mas na mitologia latina, dão-se a esse deus mais ou menos a mesma origem, a mesma história do deus grego Eros, amor. Cupido nasce de Vênus com Marte.

Esta parte da lenda é interessante: Eros é representado pela figura de um menino de sete a oito anos, com ar ocioso, mas maligno; armado de um arco e de um coldre cheio de flechas ardentes, algumas vezes de um tocha aceso ou de um capacete e de uma lança, coroado de rosas, emblema dos prazeres. Às vezes é cego, porque o Amor não percebe defeitos no objeto amado; ora tem uma rosa na mão e um delfim na outra. É visto ás vezes entre Hercules e Mercúrio, símbolo do muito que podem, em amor, a coragem e a eloqüência. Outras vezes colocam-no ao lado da Fortuna, tendo, como ele, os olhos vendados. Pintam-no sempre com asas e essas são de cor azul, de púrpura e de ouro. É visto no ar, no fogo, na terra e no mar. Conduz carros, toca lira, monta em leões, em panteras ou em delfim, para indicar que não ha criatura que escape ao amor. Não é raro vê-lo junto de sua mãe, que brinca com ele, o contraria ou aperta ternamente sobre o coração. Entre as aves, prefere o galo e o cisne, ave favorita de Vênus; ele mesmo toma, algumas vezes, as asas do abutre, símbolo da crueldade. Apraz-se em montar sobre um cisne cujo pescoço beija; e quando esta sobre o dorso de um carneiro, mostra no rosto tanta alegria e orgulho como quando esta sobre um leão, um centauro ou sobre os ombros de Hercules. Com capacete, lança e escudo, assume uma atitude belicosa, mostrando assim que em toda parte é vitorioso, e que o próprio Marte se deixa desarmar pelo amor.
Cupido conhece Psique e tem um filho com ela que vai se chamar Volúpia. Mas isso é uma outra história...

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

ZÉFIRO

Os Ventos

As alturas celestes, região etérea onde estão fixados os astros, gozam de uma paz eterna. Mas abaixo delas, bem abaixo, na região das nuvens e na vizinhança da terra, reinam as ruidosas tempestades, as tempestades e os ventos.
Os Ventos, divindades poéticas, são filhos do Céu e da Terra; diz Hesíodo que são filhos dos gigantes Tífeu, Astreu e Perseu; mas excetua os ventos favoráveis, a saber, Noto, Bóreas e Zéfiro, que dizem serem filhos dos deuses.
Homero e Virgílio estabelecem a morada dos Ventos nas ilhas Eólias, entre a Sicília, e a Itália. Como rei lhes dão Éolo, que os retém em profundas cavernas. Noite e dia, esses perigosos prisioneiros murmuram e rugem por trás das portas da prisão. Se seu rei não os contivesse, todos eles escapar-se-iam com violência, e no seu furor arrasariam ou dissipariam através do espaço, as terras e os mares, e mesmo a abóbada celeste.
Mas o onipotente Júpiter previu e preveniu tal desgraça. Não só os ventos estão encerrados em cavernas, como teve ainda o cuidado de colocar-lhes por cima enorme massa de montanhas e de rochedos. Do alto dessas montanhas, Éolo reina sobre os seus terríveis súditos. Todavia, apesar de ser deus, está subordinado ao grande Júpiter; não tem o direito de desencadear os Ventos ou de faze-los regressar ao seu antro, senão com a ordem ou o consentimento do seu soberano senhor. Se lhe acontece esquivar-se à obediência, disso resultam graves desordens ou deploráveis desastres.
Na Odisséia, ele comete a imprudência de encerrar uma parte dos Ventos em barris que manda a Ulisses; ao abri-lo se desencadeia uma tempestade sob os companheiros do herói, e os navios submergem.
Na Eneida, Éolo, para agradar Juno, entreabre com um golpe de lança o flanco da montanha sobre a qual repousa o seu trono. Assim que descobrem essa saída, os ventos se escapam e agitam o mar. Mas Éolo não tem tempo de se aplaudir: Netuno, que desdenha de castigar os Ventos, reenvia-os ao seu senhor, em termos cheios de desprezo, e os encarrega a eles próprios de lembrar a Eolo a sua insubordinação.
A fim de desarmar ou de conciliar os ventos, essas terríveis potências do ar, faziam-lhes promessas e ofereciam sacrifícios. Em Atenas ergueram m templo octogonal, tendo em cada ângulo a figura de um dos Ventos, correspondendo a ponto do Céu em que se sopra. Esses oito ventos eram: o Solano, o Euro, o Austro, o Áfrico, o Zéfiro, o Coro, o Setentrião e o Aquilão. Sobre o cimo piramidal desse templo estava um tritão de bronze móvel, cujo ponteiro indicava sempre o vento que soprava. Os romanos reconheciam quatro ventos principais, a saber: O Euro, o Bóreas, o Noto ou Austro e os Zéfiros. Os outros eram Euronoto, Vulturno, Subsolano, Coecias, Coro, Áfrico, Libonoto, etc. Em geral os poetas antigos e modernos, representam os ventos como gênios turbulentos, inquietos e volúveis; entretanto, os quatro ventos principais têm as suas fábulas diferente e um caráter particular.

Euro é filho predileto da Aurora; vem do Oriente; e monta com orgulho os cavalos maternos. Horácio o descreve como um vento impetuoso, e Valérius Flacus como um deus desgrenhado e desordenado, em conseqüência das tempestades que excita. Os modernos lhe dão uma fisionomia mais calma e mais doce. Representam-no sob os traços de um jovem alado, que com as mãos vai semeando flores por onde passa. Por trás dele esta um sol levante, e a sua tez é bronzeada como a de um asiático.

Bóreas, vento do norte, reside na Trácia, e lhe atribuem algumas vezes a realeza do ar. Ele raptou a bela Clóris, filha de Arcturo, e transportou-a para o Monte Nifate ou Cáucaso. Dela teve um filho, Hipace. Mas apaixonou-se principalmente por Orítia, filha de Ereteu, rei de Atenas; não podendo a obter de seu pai, cobriu-se com uma espessa nuvem, e arrebatou a princesa entre um turbilhão de poeira. Metamorfoseado em cavalo, gerou doze potros, de uma tal velocidade, que corriam nos campos de trigo sem fazer curvar as espigas, e sobre as ondas sem nelas molhar os pés. Tinha um templo em Atenas, sobre a margem do Ilisso, e cada ano, os atenienses celebravam festas em honra sua, as Boreasmas.

O Aquilão, vento frio e violento, é algumas vezes confundido com o Boreas. Representam-no sob a figura de um velho, com cabelos brancos e em desordem.

Noto, ou Austro, é o vento quente e tempestuoso que sopra do sul. Ovídio descreve-o como possuindo uma grande altura, velho, com os cabelos brancos, um ar sombrio, nuvens ao redor da cabeça, enquanto que a água goteja de todas as partes de suas vestes. Juvenal o representa sentado na caverna de Éolo, secando as asas depois da tempestade. Os modernos o personificam sob os traços de um homem alado, robusto e inteiramente nu. Caminha nas nuvens, sopra com as faces intumescida, para designar a sua violência, e tem na mão um regador, para anunciar que geralmente traz a chuva.

Zéfiro é, na verdade, o vento do Ocidente. Foi celebrado pelos poetas gregos e latinos, porque levava a frescura aos climas quentes onde eles habitavam. Dada esta explicação, Zéfiro tal como os poetas o personificam, é uma das mais risonhas alegorias da fábula. O seu sopro, ao mesmo tempo doce e poderoso, da vida à natureza. Os gregos davam-lhe Clóris como mulher, e os latinos, a deusa Flora. Os poetas o apresentam sob a forma de um jovem, cuja fisionomia é suave e serena, dão-lhe asas de borboleta e uma coroa composta de todas as espécies de flores. Era representado deslizando através do espaço, com uma graça, uma ligeireza aérea e tendo na mão uma cesta cheia das mais belas flores da primavera.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

MERCURIO parte III

Mercúrio, Inventor da Lira

Mercúrio inventou a lira no mesmo dia em que nasceu. "Mal saiu do seio materno, não ficou envolto nos sagrados cueiros; pelo contrário, imediatamente ultrapassou o limiar do antro sombrio. Encontrou uma tartaruga e dela se apoderou. Estava ela na estrada da gruta, arrastando-se devagar e comendo as flores do campo. Ao vê-la o filho de Júpiter alegra-se; pega-a com ambas as mãos, e volta para a sua morada, com o interessante amigo. Esvazia a escama com o cinzel de brilhante aço e arranca a vida à tartaruga. Em seguida, corta alguns caniços, na medida certa, e com eles fura o costado da tartaruga de escama de pedra; em volta estende com habilidade uma pele de boi, adapta um cabo, no qual, nos dois lados, mergulha cavilhas; em seguida, acrescenta sete cordas harmoniosas de tripa de ovelha.”
"Terminando o trabalho, ergue o delicioso instrumento, bate-o com cadência empregando o arco, e a sua mão produz retumbante som. Então o deus canta improvisando harmoniosos versos, e assim como os jovens nos festins se entregam à alegria, ele também conta as entrevistas com Júpiter e a formosa Maia, sua mãe, celebra o seu nascimento ilustre, canta as companheiras da ninfa, as suas ricas moradas, os tripés e os suntuosos tanques que se encontram na gruta." (Hino homérico).

Mercúrio, Rei dos Ladrões

Desde a mais tenra infância mostrou Mercúrio as qualidades que dele iriam fazer o deus dos ladrões. No mesmo dia em que nasceu, roubou o tridente de Netuno, as setas de Cupido, a espada de Marte, a cintura de Venus, etc. Foi para fechar tão belo dia que foi roubar os bois guardados por Apolo, e para que ninguém lhe seguisse as pegadas, resolveu fazê-los caminhar de costas. Levou-os assim até Pilos, onde imolou dois aos deuses do Olimpo, e ocultou os demais numa caverna.
Mercúrio desconfiou que o pastor Bato, o qual guarda em tal lugar os rebanhos do rico Neleu, divulgaria o seu roubo, se fosse interrogado, e sobretudo se disso lhe adviesse alguma vantagem; assim, aproximando-se-lhe, pôs-se a acariciá-lo, e disse-lhe pegando-o pela mão: "Meu amigo, se por acaso alguém vier pedir-te novas deste rebanho, dize que o não viste; como recompensa, dou-te esta bela novilha. - Podes estar certo, retrucou Bato, recebendo-a; esta pedra que vês será mais capaz de trair-te o segredo do que eu." Mercúrio fingiu, então, afastar-se, e voltando um instante depois sob outro aspecto: "Bom homem, disse-lhe, se viste passar por aqui um rebanho, peço-te que me ajudes a procurá-lo; não favoreças com o teu silêncio o roubo que sofri; dar-te-ei uma vaca e um touro." O ancião, vendo que lhe ofereciam o dobro do que recebera: "Penso, respondeu, que o teu rebanho deve estar nas cercanias desta montanha; sim, deve estar, se não me engano!" Mercúrio, rindo-se de tais palavras, disse-lhe: "Ah, tu me trais, não é verdade? Pérfido, enganas-me!" Assim dizendo, metamorfoseou-o na pedra que se chama de toque, a qual serve para reconhecer-se se o ouro é de boa liga ou se é falso. (Ovídio).
Quando sobreveio o dia, Mercúrio voltou às alturas de Cilene. Ali, curva-se e esgueira-se para dentro da morada, entrando pela fechadura. Caminha com passo furtivo no reduto sagrado da gruta, penetra sem ruído como faz habitualmente na Terra, e assim chega até o seu leito, onde se cobre com fraldas, como qualquer criancinha e fica deitado, com uma das mãos brincando com a faixa, e com a outra empunhando a melodiosa lira. Mas o deus não pudera ocultar a fuga a sua mãe, que lhe dirigiu a palavra nestes termos: "Pequenino astuto, menino cheio de audácia, de onde vens durante a treva da noite? Temo que o poderoso filho de Latona te cubra os membros de pesados laços, te arranque a esta morada, ou te surpreenda nos vales, ocupado em temerários roubos."
Mercúrio respondeu-lhe com as palavras cheias de astúcia: "Mamãe, por que pretendes assustar-me como se eu fora uma criança débil que mal conhece uma fraude e treme ouvindo a voz de sua mãe? Quero continuar a exercer esta arte que me parece a melhor par a tua glória e a minha." (Hino homérico).
Apolo não conseguia informações sobre os bois; mas notando um pássaro que cruza o céu, com as asas abertas, reconhece imediatamente, na sua qualidade de profeta e áugure, que o ladrão é o filho de Júpiter. Atira-se com rapidez aos picos de Cilene, e penetra na gruta, onde Maia deu à luz Mercúrio. O menino, vendo Apolo irritado pelo roubo das reses, amontoa-se numa bola e envolve-se nas fraldas.
O filho de Latona, após procurar por toda parte, dirige estas palavras a Mercúrio: "Menino, que repousas neste berço, dize-me imediatamente onde estão as minhas reses; se o não fizeres, erguer-se-ão entre nós funestos debates; agarrar-te-ei e precipitar-te-ei no sombrio Tártaro, no seio das sombras funestas e horríveis. Nem teu pai, nem tua mãe venerável poderão devolver-te à luz, e tu viverás eternamente sob a Terra." Mercúrio respondeu-lhe com astúcia: Filho de Latona, por que falas de maneira tão impressionante comigo? Por que vens procurar aqui as tuas reses? Eu nunca as vi, e delas nunca ouvi falar; não me é possível indicar-lhe o ladrão; por conseguinte, não receberia a recompensa prometida a quem fizer com que o descubras. Não tenho a força do homem capaz de roubar rebanhos. Não é esse o meu trabalho, porquanto outros cuidados me reclamam: preciso do suave sono, do leite de minha mãe, destas fraldas que me cobrem, e dos banhos mornos. Trata de evitar, pelo contrário, que se saiba desta divergência: seria um escândalo para todos os imortais saberem que um menino recém-nascido transpôs o limiar de tua morada com reses não domesticadas. O que dizes são palavras de insensato. Nasci ontem, as pedras houveram dilacerado a pele delicada dos meus pés; mas se exiges pronunciarei um juramento terrível: jurarei pela cabeça de meu pai que não conheço o ladrão das tuas reses." (Hino homérico).
Entretanto, Apolo não se deu por vencido, e pegando o garoto ao colo, o levou a Júpiter, a quem pediu os bois que o filho lhe roubara. Mercúrio começou por negar descaradamente o roubo; mas Júpiter, que tudo sabe, ordenou-lhe que devolvesse o que pegara indevidamente, e o menino conduziu Apolo para a gruta em que ocultara os animais. Enquanto Apolo os contava, Mercúrio começou a tocar lira, instrumento que ele acabara de inventar, e Apolo ficou de tal modo encantado que quis comprar. Mercúrio, na sua qualidade de deus do comércio, valeu-se da ocasião para um bom negócio, e pediu em troca os bois. Apolo, imediatamente, tentou tocar lira, mas enquanto lidava para arrancar os acordes, Mercúrio descobriu o meio de inventar o cálamo. Apolo desejou também o novo instrumento, que Mercúrio lhe vendeu em troca do caduceu, vareta mágica, entrelaçada de serpentes e que lhe serviu mais tarde para adormecer Argos. O descaramento com o qual Mercúrio soube mentir no mesmo dia em que nascera, e a inteligência com a qual defendeu uma péssima causa, lhe garantiram o patronato dos advogados.
Um epigrama da Antologia zomba do deus dos ladrões: "Posso tocar numa couve, deus de Cilene? - Não, transeunte. - Que vergonha há nisso? - Não há vergonha, mas existe uma lei que proíbe apoderar-se do bem alheio. - Que coisa estranha! Mercúrio estabeleceu uma lei contra o roubo!"

terça-feira, 4 de agosto de 2009

MERCURIO parte II

Mercúrio era filho de Júpiter e de Maia, filha de Atlas. Os gregos chamavam-no Hermes, isto é, intérprete ou mensageiro. Seu nome latino vinha da palavra Merces, mercadoria. Mensageiro dos deuses e particularmente de Júpiter, ele os servia com um zelo infatigável e sem escrúpulo, mesmo nos empregos pouco honestos. Participava de todos os negócios, como ministro ou servidor. Ocupava-se da paz e da guerra, das querelas e dos amores dos deuses, do interior do Olimpo, dos interesses gerais do mundo, no céu, assim como na terra e nos Infernos. Encarregava-se de fornecer e servir ambrosia à mesa dos Imortais. Presidia aos jogos, às assembléias, escutava os discursos e respondia, ou por si ou de acordo com as ordens recebidas. Conduzia ao Inferno as almas dos mortos com a sua vareta divina ou o seu caduceu.Algumas vezes reconduzia-as à terra. Ninguém morria antes que ele tivesse inteiramente rompido os laços que unem a alma ao corpo.
Deus da eloqüência e da arte de bem falar, ele o era também dos viajantes, dos negociantes e mesmo dos ladrões. Embaixador plenipotenciário dos deuses, assistia aos tratados de aliança, sancionava-os, retificava-os, não era estranho às declarações de guerra entre as cidades e os povos. Dia e noite não cessava de vigiar atento e alerta. Em uma palavra, era o mais ocupado dos deuses e dos homens. Acompanhava e guardava Juno com toda perseverança, impedindo-a de urdir qualquer intriga. Era mandado por Júpiter para facilitar-lhe agradáveis entradas entre os mortais, para transportar Castor e Pólux a Palem, para acompanhar o carro de Plutão raptando Prosérpina (para os gregos Perséfone). Atirava-se do alto do Olimpo e atravessava o espaço com a rapidez do raio. Foi a ele que os deuses confiaram a delicada missão de conduzir diante do pastor Páris as três deusas que se disputavam o prêmio da beleza.

As atribuições e os empregos diversos concedidos a Mercúrio, davam-lhe uma importância considerável no conselho dos deuses. Por outro lado os homens acrescentavam ainda as suas qualidades divinas, atribuindo-lhes mil talentos industriosos. Não somente contribuía para o desenvolvimento do comércio e das artes, como também se dizia que fora ele quem em primeiro lugar formara uma língua exata e regular, quem inventara os primeiros caracteres da escritura, quem regulara a harmonia das frases, quem pusera nome a uma infinidade de coisas, quem instituíra práticas religiosas, quem multiplicara e fortalecera as relações sociais, quem ensinara o dever aos esposos e aos membros da mesma família. Ensinara também aos homens a luta e a dança, e em geral todos os exercícios ao ar livre que necessitavam força e graça. Finalmente foi ele o inventor da lira, à qual deu três cordas, e que ficou sendo o instrumento de Apolo. As suas qualidades são contrabalançadas por defeitos. O seu gênio inquieto, a sua conduta dolosa, suscitaram-lhe mais de uma questão com os outros deuses. Júpiter mesmo, esquecendo um dia todos os serviços desse dedicado servidor, expulsou-o do céu, reduziu-o a guarda de rebanhos na terra; foi no mesmo tempo em que Apolo foi ferido pela mesma desgraça.
Acusou-se Mercúrio de um grande número de ladroeiras. Ainda criança, esse deus dos negociantes e dos ladrões furtou o tridente de Netuno, as flechas de Apolo, a espada de Marte e o cinto de Vênus. Roubou também os bois de Apolo; mas em virtude de uma convenção pacífica, trocou-os pela sua lira. Esses furtos, alegorias bastante transparentes, indicam que Mercúrio, sem dúvida é a personificação de um mortal ilustre, era ao mesmo tempo hábil navegador, provecto atirador de arco, valente na guerra, elegante e gracioso em todas as artes, negociante consumado, permutando o agradável pelo útil.
Tornou-se culpado de um assassinato para proteger os amores de Júpiter,
Argos, filho de Arestor, tinha cem olhos, dos quais cinqüenta ficava aberto enquanto o sono adormecia os outros cinqüenta. Juno confiou-lhe a guarda de Io, transformada em vaca; Mercúrio, porém, adormeceu ao som de sua flauta esse guarda vigilante, e cortou-lhe a cabeça. Juno, desolada e iludida, tomou os olhos de Argos e os espalhou sobre a cauda do pavão. Outros contam que Argos foi por essa deusa metamorfoseado em pavão.
O culto de Mercúrio nada tinha de particular, senão que se lhe ofereciam as línguas das vítimas, emblema de sua eloqüência. Pelo mesmo motivo ofereciam-lhe leite e mel. Imolavam-lhe vitelas e galos. Era especialmente venerado em Creta, país comercial, e em Cilene, na Elida, porque pensavam que tinha nascido no monte do mesmo nome, situado perto dessa cidade. Ele tinha também um oráculo em Acaie; depois de muitas cerimônias, falava-se na orelha do deus, para pedir o que se desejava. Em seguida saía-se do templo, com as orelhas tapadas com as mãos, e as primeiras palavras que se ouvissem eram a resposta de Mercúrio.
Em Roma os negociantes celebravam uma festa em sua honra, a 1.° de maio, dia em que lhe dedicaram um templo no circo. Sacrificavam uma porca prenha, e se aspergiam com a água de certa fonte à qual se atribuía uma virtude divina, rogando ao deus de proteger o seu comércio e de perdoar-lhes as pequenas velhacarias.
Como divindade tutelar, Mercúrio é geralmente representado com uma bolsa na mão. Em alguns monumentos é representado com uma bolsa na mão esquerda, e na direita uma ramo de oliveira e uma clava, símbolos, um de paz, útil ao comércio, o outro de força e de virtude, necessários ao tráfico. Como negociador dos deuses, traz na mão o caduceu, vareta mágica ou divina, emblema da paz. O caduceu é entrelaçado de duas serpentes, de sorte que a parte superior forma um arco; além disso é superado por duas extremidades de asas. O deus tem asas no seu gorro, e algumas vezes nos pés, para mostrar a ligeireza de seu andar e a rapidez com que executa as ordens.
Geralmente é descrito como um jovem, belo de rosto, de um talhe desenvolto, ora nu, ora com um manto nos ombros, que apenas o cobre.
Usa muito freqüentemente um chapéu chamado petaso, que tem asas. É raro representá-lo sentado. As suas diferentes ocupações no céu, na terra e nos Infernos, obrigavam-no a uma constante atividade. Em algumas pinturas vê-se o deus com metade do rosto clara e a outra metade negra e sombria: isso indica que ora está no céu ou na terra, ora nos Infernos, para onde conduz a alma dos mortos.
Quando o representavam com uma longa barba e cara de velho, davam-lhe um manto que lhe descia até os pés.
Dizem que Mercúrio é o pai do deus Pan, fruto dos seus amores com Penélope. Penélope não foi a única mortal, nem a única deusa, honrada pelos seus favores; teve ainda como amantes, Acacalis, filha de Minos, Herse, filha de Cécrops, Eupolêmia, filha de Mirmidon, que lhe deu muitos filhos, Antianira, mãe de Equion, Prosérpina e a ninfa Lara, de quem nasceram os deuses Lares.
Hermes, sendo nome próprio de Mercúrio em grego, era dado a certas estátuas de mármore, e algumas vezes de bronze, sem braços e sem pés. Os atenienses, e seguindo o seu exemplo, outros povos da Grécia, mesmo depois os romanos, colocavam Hermes nas encruzilhadas das cidades e grandes estradas, porque Mercúrio presidia às viagens e aos caminhos. Geralmente, Hermes é uma coluna com uma cabeça; tendo duas cabeças, uma é de Mercúrio reunida à de outra divindade.
A quarta-feira (mercredi, em francês) dia da semana, é-lhe consagrada (Mercurii dies).
Tipo e Atributos de Mercúrio
A mudança, a transição, a passagem de um estado a outro foram personificados em Mercúrio. (Hermes). Mensageiro celeste, leva aos deuses as preces dos homens e aos homens os benefícios dos deuses; condutor das sombras, é a transição entre a vida e a morte; deus da eloqüência e dos tratados, faz passar ao espírito dos outros o pensamento de um orador ou de um legado. É o deus dos ginásios, porque na luta há troca de forças; é o deus do comércio e dos ladrões, porque um objeto vendido ou roubado passa de uma mão a outra.
Na grande época da arte, esse deus se revestiu de caráter muitíssimo diferente. Mercúrio torna-se, então, um efebo, macio e ágil, sempre imberbe, de cabelos curtos e apresentando o tipo perfeito dos jovens que freqüentam os ginásios. O seu rosto nunca tem o caráter majestoso de Júpiter nem a altivez de Apolo, mas freqüentemente o cunho de uma grande finura, de acordo com o seu papel na Lenda, em que personifica a astúcia e a habilidade.
Dá-se ainda a Mercúrio outra série de atributos em relação com as suas diferentes funções.
Como divindade pastoral, acompanhado uma ou outra vez de um carneiro ou uma cabra; como inventor da lira, coloca-se-lhe ao lado uma tartaruga. É um galo que o caracteriza como deus do ginásio, e a bolsa que segura com a mão revela o deus da mudança.
Mercúrio nasceu da união de Júpiter e de Maia, filha do Titã Atlas. Divindade arcádia, é numa gruta do monte Cilene que vê o dia pela primeira vez, e é por isso que alguns lhe dão o nome de deus de Cilene. Poucas divindades aparecem tão freqüentemente como Mercúrio na mitologia; o seu papel é importantíssimo, e em numerosos casos é, como os nossos criados de comédia, o personagem que tudo faz, embora sempre dependente.
Além das cenas da Lenda, das quais participa diretamente, Mercúrio surge em alguns monumentos ao lado de outras divindades, às quais se liga simbolicamente. Uma moeda de Marco Aurélio apresenta-o ao lado de Minerva, em virtude da relação existente entre o deus do comércio e a deusa da indústria. As relações com Vênus são ainda mais diretas, pois da união de ambos é que nasce Hermafrodita (Hermes-Aphrodite). Plutarco explica tal união dizendo que a eloqüência e o encanto da linguagem devem associar-se ao atrativo da beleza.

continua....

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

MERCURIO




Mercúrio sempre foi influenciável, pelos humanos e pelos deuses. Sempre soube que o seu grande mérito não seria realizar nada, mas informar. Assim como cada deus tem a sua própria natureza, na sua realidade a vida é monótona e previsível. Como os deuses são a personificação do prazer nas suas diferentes matizes, encontram uma forma de experimentar a existência a partir de uma outra realidade. Essa realidade é da forma humana, criatura que encerra dentro de si as relações intimas dos deuses em diferentes intensidades. A questão que se cria é: o que os deuses querem quando nos aproximam? Reunir em um mesmo espaço dois seres com tantas cicatrizes? Tanta capacidade de transformar junta deve dar o que? Quais as possibilidades disponiveis? Isso deve ser o início de algo, mas o que?